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Chacina de Vigário Geral, 30 anos, expôs violência contra moradores de favelas

Dezoito corpos deitados no chão, cada um dentro de um caixão aberto. Cada um com o nome da vítima e uma descrição: estudante, ferroviário, mecânico, dona de casa. Trinta anos depois, a cena se tornou o símbolo da Chacina de Vigário Geral.

A chacina começou por volta das 23h da noite de 29 de agosto de 1993. Cerca de 30 homens, encapuzados e armados, entraram na favela da zona norte do Rio de Janeiro; arrombaram casas, pediram documentos e atiraram contra os moradores. Ao todo, 21 pessoas foram mortas. Entre elas, oito membros de uma família evangélica, assassinados dentro da própria casa.

As primeiras vítimas foram sete amigos que estavam em um bar jogando cartas e comemoravam a vitória da seleção brasileira nas eliminatórias para a Copa do Mundo. O grupo de extermínio, formado em sua maioria por policiais militares, atirou uma granada dentro do estabelecimento. Depois, fuzilou o local para não haver sobreviventes.

Os demais mortos foram assassinados a esmo pela rua. Um deles era um mecânico, baleado enquanto segurava a marmita que levaria para o trabalho. Nas fotografias, a comida de Edmilson José Prazeres da Costa, 23, aparece caída ao lado de seu corpo.

O sociólogo e poeta Caio Ferraz foi quem organizou os corpos das vítimas do massacre. Ele chamou os parentes das vítimas e impediu que os cadáveres fossem levados pelos bombeiros antes de serem identificados e os colocou lado a lado em praça pública. Queria, em suas palavras, mostrar que ninguém era bandido.

Um mês antes da matança em Vigário Geral, oito jovens foram mortos na Chacina da Candelária, no centro do Rio. Apesar da brutalidade, a morte dos garotos, de 11 a 19 anos, foi minimizada por parte da população, que os julgava como ladrões e “pivetes” por serem moradores de rua.

“A sociedade já condena e dá o atestado de óbito com a causa da morte: pobreza. Essa seria a mesma justificativa com a chacina de Vigário Geral”, diz Ferraz, que era morador da comunidade.

O pensamento de Ferraz é endossado pelo desembargador José Muiños Piñeiro Filho, que foi o promotor de ambos os casos. Na época, ele acompanhava as cartas dos leitores à imprensa para entender o pensamento da população. À frente das investigações do Ministério Público, Muiños sentia uma comoção muito maior em relação à chacina de Vigário Geral do que a da Candelária.

Havia um preconceito sobre os jovens mortos no centro do Rio que era usado como justificativa para os assassinatos. O mesmo não aconteceu com Vigário Geral, conta Muiños, pois a sociedade conseguia se enxergar naquelas vítimas.

“Um profissional do meio jurídico me disse na época: ‘Estou acompanhando o seu trabalho [na Chacina da Candelária], queria dizer que cumpra sua missão, mas não se exceda, não precisa se esforçar muito mais, porque, afinal, não se perdeu grande coisa’. Isso foi muito marcante para mim”, diz o desembargador.

A fotógrafa Luciana Whitaker cobriu o massacre na época e foi a Vigário Geral ainda na madrugada do crime, logo depois de ele acontecer. Encontrou os mortos na posição que foram executados.

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