O climatologista Rodrigo Marques tem vivido semanas de especial atenção com um de seus objetos de estudo: o calorão de Cuiabá.
Professor de Climatologia do Departamento de Geografia da UFMT, Marques possui números que mostram como a temperatura mudou na Capital nos últimos anos.
Segundo o professor, que tem doutorado pela USP, a partir de 2010 a cidade começou ter temperaturas nunca antes registradas, o que demonstra uma mudança inegável no clima.
Ele atribuiu esta alteração a eventos que ocorrem no planeta e a questões que dizem respeito a Cuiabá, como a localização geográfica e a alterações nos padrões construtivos.
“O maior problema que vejo é a diminuição do tamanho mínimo de terrenos. Hoje há terrenos com cerca de 100 metros quadrados, ou seja, as áreas de vegetação e sombra estão cada vez menores e inexistentes, sendo trocadas por áreas pavimentadas”.
Nesta semana o professor deu uma entrevista para o MidiaNews. Veja os principais trechos:
MidiaNews – O que está acontecendo com o tempo?
Rodrigo Marques – Tempo é o que chamamos de estado momentâneo da atmosfera, e ele muda sempre, o tempo hoje pode estar chuvoso, amanhã o tempo pode estar seco, quente, frio. Entretanto, a partir de 2010 começaram a ser registradas temperaturas que entre 1912 e 2009 nunca haviam sido registradas em Cuiabá, considerando a série histórica da estação meteorológica convencional de Cuiabá da rede do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
MidiaNews – E o que é o novo normal climático?
Rodrigo Marques – O novo normal climático se refere a estes eventos que não se tinham registros, ou que eram bem raros, e que agora ocorrem com mais frequência.
MidiaNews – Por que Cuiabá sofre mais com o calor do que a esmagadora maioria das cidades?
Rodrigo Marques – Cuiabá está localizada em área tropical, em uma depressão relativa com seu entorno mais elevado, o que faz com que os ventos sejam muito fracos, além de estar no centro geodésico da América do Sul. E por isso temos um efeito grande da continentalidade, aqui sobretudo no período da estação seca. Muito calor durante o dia e à noite a temperatura diminui bastante. Lembra nas devidas proporções a ideia de deserto.
MidiaNews – A Geografia de Cuiabá é um agravante para o clima sufocante?
Rodrigo Marques – As características físicas de Cuiabá garantem que vivemos em um local muito quente por natureza, mas é importante lembrar que quando trocamos a vegetação e a sombra por concreto e asfalto, deixamos muito mais quente uma cidade que é naturalmente quente.
MidiaNews – Quando foi a última vez que Cuiabá teve um calor tão intenso?
Rodrigo Marques – A maior temperatura já registrada em Cuiabá foi de 44°C em 30 de setembro de 2020. Por sinal neste ano de 2020, vinte dias do mês de setembro tiveram máxima de pelo menos 40°C, somente 10 dias tiveram máximas abaixo dos 40°C.
MidiaNews – Cuiabá é conhecida como Cidade Verde? Ela tem feito jus a esse nome?
Rodrigo Marques – Em nome de um tal “progresso”, temos substituído a vegetação por concreto e asfalto, os quintais estão cada vez menores até porque o tamanho mínimo dos terrenos urbanos tem diminuído.
Midianews – Nos últimos anos, Cuiabá passou por uma expansão imobiliária gigantesca. Isso ajudou a acelerar o aquecimento na cidade?
Rodrigo Marques – O maior problema que vejo é a diminuição do tamanho mínimo de terrenos. Hoje há terrenos com cerca de 100 metros quadrados, ou seja, as áreas de vegetação e sombra estão cada vez menores e inexistentes, sendo trocadas por áreas pavimentadas.
O concreto e o asfalto absorvem mais o calor, fazendo como que os terrenos que antes eram espaços de sombras e de frescor se tornassem um potencializador do calor. A situação é tão crítica que até parque urbano Cuiabá já tem, os chamados parques noturnos com concreto e asfalto, como o Tia Nair, que acaba não sendo adequado a Cuiabá.
MidiaNews – Cuiabá tem as chamadas ilhas de calor. Quais são os pontos mais quentes da cidade?
Rodrigo Marques – As ilhas de calor se remetem a pontos mais quentes que seu entorno. Inicialmente era a ideia do Centro da cidade ser mais quente que as áreas periféricas, que tinham mais vegetação. Hoje em uma mesma região da cidade você pode identificar uma área mais quente, geralmente a área mais concretada e asfaltada e com pouca vegetação, de uma área mais fresca, onde se verifica mais vegetação. Basta observar que áreas onde temos parque com muita vegetação, ou áreas com muita vegetação as temperaturas são mais amenas.
MidiaNews – Qual a previsão para os próximos anos em Cuiabá?
Rodrigo Marques – A expectativa é que as temperaturas máximas aumentem, assim como as mínimas também aumentem. Em relação a chuva, é interessante observar que houve um aumento da média da chuva anual em Cuiabá entre 1991 e 2020. que foi de 1.516 milímetros, quando comparada com 1961 a 1990, que foi de 1.342mm. Mesmo assim temos a sensação que está mais seco.
MidiaNews – Ainda há tempo para se reverter a situação do clima?
Rodrigo Marques – Primeiro é entendermos que Cuiabá é naturalmente quente, então o ideal é pensar em tipos de moradias e construções que minimizem este calor. Arborizar a cidade com árvores que façam sombra. Sei que muitas pessoas usam as palmeiras ornamentais, mas elas não colaboram para deixar uma praça com uma temperatura mais amena e agradável, por exemplo.
MidiaNews – É cada vez mais comum encontrarmos carros elétricos nas ruas. Quando essa mudança vai começar a trazer benefícios climáticos?
Rodrigo Marques – A curto prazo o maior benefício que podemos trazer para o clima é acabarmos com as queimadas em Mato Grosso, pois elas são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa aqui.
MidiaNews – Calorão nos níveis que existem em Cuiabá podem provocar mortes?
Rodrigo Marques – Temperaturas muito elevadas podem causar mortes por hipertermia, bem como aumentar casos de atendimentos de saúde por questões cardíacas e pressão alta.
MidiaNews – A partir de quando esse calorão de Cuiabá vai dar uma trégua neste ano?
Rodrigo Marques – Quando a estação chuvosa se firmar, as temperaturas máximas devem baixar. Não podemos esquecer que setembro é historicamente o mês mais quente aqui em Cuiabá, o mês de outubro deve ser quente também, pois as chuvas só devem ficar mais regulares em novembro.
MidiaNews – O verão neste ano será chuvoso ou seco?
Rodrigo Marques – O que temos de mais confiável até agora diz que outubro deve chover menos que o esperado e que novembro já devemos ter chuvas dentro da normalidade. Embora este ano tenhamos El Niño, ele acaba afetando mais o Norte de Mato Grosso, porque acaba diminuindo as chuvas na região Amazônica.