Marco legal do hidrogênio: política extrafiscal em defesa do meio ambiente

No ânimo pelo fortalecimento da economia verde, tem-se percebido uma maior preocupação com a qualidade e a preservação ambiental, buscando-se estímulos para a produção e o consumo sustentável. É evidente a preocupação global com o futuro do planeta e a responsabilidade do Estado e da sociedade na promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos da Constituição.

Entre outros desafios, a necessidade de uma rápida redução nas emissões de carbono ganhou destaque nos últimos tempos, fruto das necessidades contemporâneas. Apesar de todas as promessas e de alguns esforços, o mundo aumenta invariavelmente as emissões de gases do efeito estufa.

Para tal avanço, faz-se necessário que os países apresentem políticas públicas e metas, pois as até então aplicáveis não foram suficientes para conter o aquecimento global, nos termos do Acordo de Paris. É nesse contexto que, na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), ficou definido como meta para 2050 a neutralização das emissões de carbono na atmosfera (acordo para “transição”).

Nessa esteira, foi sancionada a Lei nº 14.948, de 2 de agosto de 2024, resultado da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2.308 de 2023, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, cujo objetivo primordial é a descarbonização e a construção de uma matriz energética mais limpa, a partir do fomento à pesquisa e ao desenvolvimento relacionado ao uso de hidrogênio de baixa emissão, bem como à transição energética, voltada às metas do Acordo de Paris.

Referida lei institui três modalidades de hidrogênio:

  • a) de baixa emissão de carbono, que constitui o combustível ou o insumo industrial obtido por fontes diversas de processo de produção, com emissão de gases de efeito estufa com valor inicial menor ou igual a 7 kg de COpara cada kg de H2, conforme análise de ciclo de vida;
  • b) renovável, que constitui hidrogênio de baixa emissão de carbono, mas é coletado como hidrogênio natural ou obtido por fontes renováveis, incluindo-se, por exemplo, o hidrogênio produzido a partir do etanol e o produzido pela eletrólise da água, a partir de energias renováveis, como a eólica; e
  • c) verde, obtido pela eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis, tais como eólica, hidráulica, geotérmica, biomassa ou outras que venham a ser reconhecidas como renováveis.

De acordo com o texto, as atividades de produção de hidrogênio, seus derivados e carreadores serão exercidas por empresas ou consórcios de empresas, com sede no Brasil, que tenham obtido autorização para produção pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Hidrogênio de forma sustentável

A lei também institui o Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), com a finalidade de promover a utilização do hidrogênio de forma sustentável, a partir do credenciamento de empresas certificadoras. Os certificados deverão constar os níveis de gases de efeito estufa (GEE) relativos à cadeia do produto hidrogênio, observando os critérios definidos em regulamento, inclusive com relação à utilização de hidrogênio importado.

Assim como a maioria das políticas socioambientais, um dos grandes desafios é o orçamento e o uso de políticas atrativas e eficazes, motivo pelo qual a lei também institui mecanismos de incentivos em projetos para produção, transporte e uso do hidrogênio.

No âmbito fiscal, a lei regulamenta o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), instituído com a finalidade de fomentar o desenvolvimento tecnológico e industrial, a competitividade e a agregação de valor nas cadeias produtivas nacionais, cuja vigência será de cinco anos a partir de 1º de janeiro de 2025.

Spacca

O referido regime autoriza o uso da extrafiscalidade tributária decorrente da suspensão da incidência do PIS, da Cofins, do PIS-Importação e Cofins-Importação em diversas etapas da cadeia, até mesmo na importação de materiais e de insumos voltados aos projetos de hidrogênio. De acordo com as regras aplicáveis, ato do Poder Executivo regulamentará a forma de habilitação e coabilitação, observando o percentual mínimo de utilização de bens e serviços de origem nacional no processo produtivo e de investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Além das empresas produtoras de hidrogênio de baixo carbono, poderão participar as empresas que atuarem no transporte, na distribuição, no acondicionamento, no armazenamento ou na comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono, propiciando um modelo mais eficiente. Ademais, serão favorecidas as empresas que se dedicam à geração de energia elétrica renovável ou à produção de biocombustíveis destinados à produção do hidrogênio, inclusive com relação às empresas instaladas nas zonas de processamento de exportação, observando-se os benefícios estabelecidos na Lei nº 11.508 de 2007. Frisa-se, no entanto, que as companhias optantes pelo Simples Nacional não serão abarcadas nesse regime.

Por fim, o programa prevê a possibilidade dos beneficiários emitirem debêntures destinadas à captação de recursos com vistas a implementar ou a expandir projetos relacionados ao acondicionamento, ao armazenamento, ao transporte, à distribuição ou à comercialização de hidrogênio de baixo carbono, bem como projetos voltados à geração de energia elétrica renovável ou à produção de biocombustíveis para produção de hidrogênio de baixo carbono, as quais serão tributados pelo Imposto sobre a Renda nos percentuais definidos no artigo 2º da Lei nº 12.431 de 2011.

Incentivo à produção de hidrogênio verde

Pois bem. É sabido que a extrafiscalidade tributária serve como instrumento para estimular ou desestimular condutas, a partir da instituição e da graduação de tributos, técnicas de progressividade e diferenciação de alíquotas, concessão de isenções e outros incentivos fiscais. Na prática, a concessão de benefício fiscal voltada à suspensão da incidência de PIS e Cofins atua como incentivo à produção de hidrogênio verde e de hidrogênio de baixa emissão de carbono e, por consequência, à preservação do meio ambiente, inibindo, a princípio, condutas danosas ao objetivo do programa.

Esse olhar é fundamental para que o estímulo se torne uma prática reiterada e de possível implementação, compreendendo toda a cadeia produtiva e não apenas a ponta final, impulsionando a competitividade e a inovação, impactando diretamente o preço do produto, o aumento gradual da produção e o seu respectivo consumo.

Cumpre observar que o PL previa a criação do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), por meio do qual produtores beneficiários do Rehidro ou os compradores de hidrogênio de baixo carbono poderiam usufruir de crédito fiscal de 2028 a 2032 para a comercialização do hidrogênio, observando-se os limites legais, as metas e os objetivos do programa. Todavia, os dispositivos foram vetados [1] e a instituição do PHBC será objeto de discussão específica no recente PL nº 3.027 de 2024, que ainda aguarda apreciação pela Câmara dos Deputados.

Nota-se, no todo, que a política de promoção ao hidrogênio renovável e de baixo carbono propõe que os incentivos tributários deverão ter vigência limitada, com metas claras e acompanhamento do poder público. Isso significa dizer que os benefícios fiscais são temporários e aplicáveis até que seja concretizada a adoção de uma nova matriz energética.

No meio de tantas reflexões e políticas voltadas ao meio ambiente, entendemos que para uma boa gestão do projeto, é necessário que o poder público concretize e atualize na linha do tempo essas políticas públicas, no intuito de orientar e estimular a produção do hidrogênio, induzindo melhores práticas, inclusive de acordo com a evolução dos negócios.

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