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Poder, territórios e influência política: como o crime se espalha no país

A sequência de atos de terror seguiu um roteiro conhecido, embora de proporções inusitadas. Em questão de horas, bandidos armados renderam ônibus que circulavam pelo Rio de Janeiro, espalharam gasolina no chão e atearam fogo nos veículos. Os passageiros, apavorados, corriam para as saídas. A cena, concentrada principalmente na Zona Oeste, se repetiria 35 vezes na tarde de segunda-feira 23. Foi o maior número de veículos incendiados simultaneamente na cidade — entrou na conta também um trem metropolitano. A Avenida Brasil, um dos mais importantes eixos da capital fluminense, principal ponto de acesso para quem chega de São Paulo, teve o trânsito interrompido. Aulas e serviços de transporte coletivo foram suspensos, prejudicando a volta para casa de ao menos 180 000 moradores, assustados, com medo. No total, os prejuízos somam mais de 35 milhões de reais. “Parecia a Faixa de Gaza”, disse o presidente Lula.

A comparação soa um tanto descabida, ante as atrocidades em curso no Oriente Médio, como legítima resposta de Israel à chacina promovida pelo Hamas, mas para a população que sente na pele o agravamento da crise na segurança pública, no Rio e em boa parte do país, as bolas de fogo são, sim, imagens de uma guerra que se arrasta há décadas, atiçada pela histórica incapacidade do Estado de lidar com a violência. No campo de batalha brasileiro, inocentes servem de bucha de canhão nos confrontos de bandidos com bandidos e de bandidos com a polícia, em duelo que acumula baixas de cidadãos que desejam apenas viver, pouco mais do que isso.

Segundo o Anuário da Segurança Pública, 47 398 civis foram assassinados no país no ano passado. Quando a lupa aponta para as áreas nas mãos da bandidagem, a mortandade explode. Na cidade do Rio, as mortes violentas aumentaram 15% neste ano. Na Bahia, estado que ocupa o topo do ranking de sangue, foram registradas 6 659 mortes violentas em 2022 — a maioria executada pela polícia —, sendo 159 delas em 39 chacinas contabilizadas pelo Instituto Fogo Cruzado. Na Região Norte, as vítimas se multiplicaram nos esta­dos que fazem fronteira com países produtores de drogas e, na falta de repressão, a ação dos criminosos se diversificou para outras atividades ilegais na floresta, como o garimpo não autorizado, a grilagem de terra e a venda de madeira sem certificação. “Os grupos armados atuam em toda parte”, diz Cecília Olliveira, diretora do instituto. “Não dá para esperar que uma polícia local resolva essa situação. O debate tem de ser nacionalizado.”

Os ataques aos ônibus cariocas foram, ao que tudo indica, uma espécie de vingança contra a operação da Polícia Civil em que morreu o miliciano Matheus Resende, o Faustão, número 2 do Bonde do Zinho, a maior organização criminosa do Rio de Janeiro. Ele seria, inclusive, o elo da milícia com o narcotráfico — um casamento de interesse entre quadrilhas que não se toleravam no passado e que hoje trocam alianças, elevando o poder da bandidagem a novo patamar. As cenas de terror na mais conhecida paisagem brasileira lá fora foram o ápice (até agora) de uma onda de violência que levou o governador Cláudio Castro a acertar com o Ministério da Justiça envio de tropas da Força Nacional e o reforço das operações da Polícia Federal na capital — eternizando o jogo de empurra em que o estado, responsável pela segurança, apela para a ajuda do governo federal, que a presta de forma limitada por não querer pôr a mão no vespeiro.

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