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Primeiro chefe de polícia negro do RS levanta bandeira de defesa dos direitos humanos

“Temos que, cada vez mais, associar a instituição na defesa dos direitos humanos, ainda que algumas condutas das polícias brasileiras reflitam o racismo institucional”, defende o delegado Fernando Antônio Sodré de Oliveira, o primeiro homem negro a assumir a chefia da Polícia Civil no Rio Grande do Sul em 181 anos. Sodré é professor universitário desde 2005 e doutorando em Direitos Humanos.

Ele aposta em uma gestão capaz de conscientizar os agentes de polícia para a proteção de grupos vulneráveis. Com 25 anos de polícia, paulista, é delegado desde 1998. Chefiou as 13ª e 21ª Delegacias de Polícia Regional do Interior em Santo Ângelo e Santiago, de 2011 a 2016, e, em seguida, dirigiu o Departamento de Polícia do Interior (DPI), o maior da instituição, de 2016 a 2019. Comandou delegacias e distritos em Cerro Largo, Porto Alegre, Caxias do Sul, São Luiz Gonzaga e Santo Antônio das Missões. Desde 2019, chefiava novamente a 13ª Delegacia de Polícia Regional do Interior, em Santo Ângelo.
    
Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Sodré é mestre em Filosofia e, atualmente, cursa o doutorado em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (Unijuí).

Possui especialização em supervisão escolar pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Direito Penal pela UCS e em Segurança Pública pela PUC/RS.

Nascido em família multirracial – filho de pai negro e mãe branca –, em entrevista ao Brasil de Fato RS, ele fala da sua motivação para focar no enfrentamento ao racismo estrutural, enquanto temática de suas análises acadêmicas e em sua atuação profissional.

 
Brasil de Fato RS: O que o levou a ser um policial? 

Fernando Sodré: Hoje, não tenho dúvida que estou na profissão certa, mas, na época que era oficial do Exército, queria fazer concurso para as áreas jurídicas. Aí, o primeiro concurso que abriu foi para delegado, resolvi fazer e passei. Comecei a trabalhar e vi o quanto a Polícia Civil é uma instituição interessante do ponto de vista do trabalho, da dinâmica e do que tu podes fazer socialmente também.

Ser rigoroso é muito diferente de ser arbitrário, violento, insensível.

Fui percebendo que Deus apertou o botão e me botou na função certa. Na polícia, faz parte da função você ter um certo rigor, mas ser rigoroso é muito diferente de ser arbitrário, violento, insensível. A polícia permite que estejamos em locais onde gente da nossa condição social nunca vai estar e, se você tem sensibilidade para perceber isso, percebe o quanto as pessoas precisam de ajuda também. É um órgão que permite que a gente tenha uma atuação muito positiva socialmente falando e pode realmente transformar a vida das pessoas, das vítimas e ajudar, inclusive, os acusados. Temos que ter uma visão de que temos importância no controle da criminalidade, mas que podemos também fazer isso de uma forma humana e humanitária. É nessa polícia que eu acredito. 
 
Tenho trabalhado basicamente o racismo estrutural, seletividade penal, a questão da segurança pública, onde entra esse processo; a questão da representatividade. No meu doutorado em direitos humanos trabalho exatamente essas questões. Estamos avançando nessa questão. 

Temos que entender o contexto em que estamos inseridos e trabalhar para que esse contexto seja cada vez mais claro para as pessoas e que se possa evoluir nessa pauta. A gente tem evoluído, apesar de não na velocidade que alguns desejariam. Não é simples, mas estamos ganhando espaço e visibilidade de discussão.

Os problemas que tivemos no Brasil nos últimos tempos acabaram trazendo à luz uma coisa que ninguém achava que existia mais no Brasil, que era conversa fiada, mas ficou bem nítido que temos que discutir a respeito dessa questão racial e do racismo estrutural.

Criei uma comissão que não está instalada oficialmente ainda porque preciso reinstalar o departamento de direitos humanos,  e nele uma comissão de igualdade racial, mas ela já discute e tem funcionários e delegados trabalhando nisso.

Não existe este departamento ainda? 

Existia o departamento, mas não estava muito está ativo. Então, estou reestruturando tudo isso, encaminhando um projeto para o governo. Vamos criar um gabinete de comunicação social, institucional e direitos humanos. Essa reestruturação depende de um decreto do governador e, por isso, ainda não está instalada oficialmente.

Na sua posse, o senhor falou que quer a sua gestão marcada principalmente pela proteção dos grupos vulneráveis e pelo combate ao crime organizado, aos crimes violentos como homicídios e feminicídios, aos crimes patrimoniais. Acha que está conseguindo fazer algo neste sentido nesse pouco tempo que assumiu o cargo? 
 

Creio que sim. Primeiro, deixa primeiro eu dar uma visão institucional da polícia judiciária, da polícia civil, como eu enxergo a Polícia Civil. Temos duas grandes áreas na minha cabeça. Uma delas é o combate à criminalidade organizada.

Esse crime organizado não vitima apenas as classes mais abastadas, mas especialmente os mais vulneráveis. Normalmente, é nos locais onde residem as pessoas mais vulneráveis, eles (os criminosos) impõem toque de recolher, obrigam as pessoas a se submeterem ao tráfico e a violência. Não é uma violência que atinge só a classe mais favorecida por exemplo nos roubos de veículos ou crimes violentos patrimoniais, atingindo as classes mais vulneráveis dos locais onde eles operam e se impõe por meio de violência. 

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