Educação de qualidade para 100% das crianças e adolescentes é o melhor caminho para o desenvolvimento econômico e social. O indicador que mede isso no Brasil é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (ldeb), que acaba de ser divulgado pelo Ministério da Educação. E um dos estados com melhores desempenhos no Ideb é o Ceará, que segue colhendo resultados de reforma da educação básica implantada pelo catarinense Antenor Naspolini, quando foi secretário de Educação naquele Estado, de 1995 a 2000.
Nascido em Criciúma, Naspolini foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) onde participou da implantação da Esag (Escola Superior de Administração e Gerência). Entre os cargos públicos que assumiu, foi coordenador do Programa de Desenvolvimento da Criança Catarinense (Pró-Criança SC) de 1983 a 1986, no primeiro governo de Esperidião Amin. Esse programa (que foi descontinuado no governo seguinte, de Pedro Ivo Campos) chamou a atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Unesco.
Foi o Pró-Criança que motivou um convite para Naspolini atuar no Ceará, a partir de sugestão dessas entidades internacionais. Mas antes dessa reforma, o filósofo e mestre em planejamento educacional de SC foi desafiado pelo governo do Ceará a atuar na saúde, para reduzir a mortalidade infantil. Conseguiu recuo de 34%, um recorde mundial, que resultou em prêmio na ONU. Depois, na gestão de dois mandatos do governador Tasso Jereissatti, foi convidado para assumir e reformar a educação.
Segundo Naspolini, as principais medidas adotadas na reforma educacional cearaense foram: todas as crianças na escola de 07 a 14 anos, definição de funções com o ensino fundamental para os municípios e melhoria da qualificação dos professores, com ingresso apenas por concurso. Ele observa que essas mudanças tiveram continuidade nos governos posteriores e outras melhorias foram adotadas, por isso o Ceará tem se mantido entre os primeiros colocados no Ideb nas últimas décadas, muitas vezes no topo.
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No Ideb de 2023, divulgado agora pelo MEC, o Ceará ficou em segundo lugar nos anos iniciais do ensino fundamental, com nota 6,6, ao ser ultrapassado pelo Paraná, que tirou 6,7. SC alcançou nota 6,4 nessa faixa. Nos anos finais do ensino fundamental, o Ceará alcançou nota 5,5, e ficou em segundo lugar. Nessa fase, SC alcançou 5,2. No ensino médio, tirou 4,3, SC ficou com nota 4,2 e o primeiro lugar foi do Paraná, com 4,9. O Ceará alcançou as maiores notas em escolas públicas nas séries iniciais.
Tanto o Ceará quanto outros estados que estão bem no Ideb podem ser referência para Santa Catarina avançar na educação fundamental e média que, muitas vezes, requer mais gestão do que investimentos, embora esses também sejam necessários. Além disso, e preciso ter como referência a educação mundial, com quem a economia brasileira compete.
Atualmente, Naspolini segue morando em Fortaleza e com atividades menos intensivas. É consultor internacional de educação, está escrevendo um livro sobre a trajetória, é gestor de uma escola de golfe e segue apaixonado por baobás, uma árvore gigante que conheceu em Madagascar, na África, quando prestou consultoria em educação por lá. A seguir, leia entrevista exclusiva para a coluna:
O que motivou a sua ida ao Ceará?
– Foi quase um acaso, vim ao Ceará em função do trabalho feito no Projeto Pró-Criança, o programa pioneiro a nível nacional no Governo de Santa Catarina no período de 1983 a 1986. Fui o mentor deste programa em que a gente pôs a criança dos 0 aos 6 anos como foco.
Uma equipe de consultores foi verificar in loco como funcionava o Pró-Criança, um projeto que foi tocado sem a necessidade de alteração da estrutura pública existente, um trabalho integrado de todas as secretarias de Estado, de todas as áreas sem criar uma nova estrutura. Os resultados chamaram a atenção de organismos internacionais como a ONU e a Unesco.
Qual foi essa proposta de trabalho?
– Depois de trabalhar como fundador e primeiro diretor eleito da Esag na Udesc, solicitei licença na instituição para aceitar este desafio de ser o coordenador do Unicef no Ceará, estado que tinha sérios problemas e deficiências na educação de base. O primeiro contrato foi de dois anos com foco prioritário de baixar a mortalidade infantil, que era uma das mais altas do Brasil.
Qual foi a estratégia colocada em prática?
– Foi feito um trabalho de campo intensivo com mais de 8 mil agentes de saúde. Como resultado, após quatro anos a mortalidade infantil baixou em 34%, um recorde mundial. Este resultado obteve um reconhecimento internacional da ONU, oportunidade em que o então governador, Ciro Gomes, recebeu a homenagem na sede da Entidade em Nova Iorque, Estados Unidos. Outro resultado que o Ceará conquistou junto à ONU foi ser reconhecido como o estado brasileiro que mais cresceu no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Como aconteceu o convite para a secretaria da Educação do Ceará?
– O jovem empresário Tasso Jereissati foi eleito governador pela primeira vez em 1987, quebrando uma tradição de mandatos ligados ao coronelismo. Ele foi eleito com uma proposta mudancista.
No segundo mandato dele, que começou em 1995, ele me chamou e me convidou para o cargo de secretário a educação. Respondi a ele: ‘não sou seu amigo (não era na época), não sou cearense e não tenho filiação partidária’. Tasso respondeu então; é por isso que o convidei.
Quais as metas estabelecidas na educação para o mandato?
– A principal meta era de democratizar a escola, garantir vaga para todas as crianças. Se tem criança de 7 a 14 anos que não está na escola, alguém tem que estar na cadeia. Então, precisávamos ter a educação como prioridade inclusive com orçamento garantido. O dinheiro da educação precisava ser sagrado.
Outra decisão foi a de normatizar as faixas etárias do ensino público. O Ceará foi o primeiro estado brasileiro a municipalizar toda a educação básica. Criança 0 a 6 anos e criança de primeira à quarta série passaram a ser uma responsabilidade do município.
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Também houve uma mudança na carreira do magistério. A decisão foi de formar e qualificar professores e só admitir professor novo através de concurso público unificado com valorização da carreira do magistério. O percentual de estudantes em sala de aula era de 78% e subiu para 98%.
O que o Ceará fez foi uma verdadeira revolução no ensino?
– Exatamente, foram três os elementos que apoiaram a reforma de educação básica cearense, entre 1995 e 2000: uma reconhecida necessidade de mudança expressa nos planos de governo dos últimos 12 anos; contexto econômico e político favorável, traduzido pelo saneamento das finanças do estado e a expressiva credibilidade de suas instituições.
Também foram incluídos mecanismos efetivos de participação social, evidenciados pela modernização das formas de gestão pública e pela atuação organizada da sociedade civil.
Como é feito o acompanhamento do desempenho escolar no estado e municípios?
Foi criado há mais de 20 anos um sistema de avaliação próprio, o sistema público de avaliação de Educação do Ceará. Trata-se de um instrumento fundamental que vai dando o nível de desempenho da Escola com periodicidade mensal. É um acompanhamento permanente da atuação escola.
Se os resultados do Ideb mostram a liderança do Ceará isso quer dizer que houve um processo de continuidade nas gestões seguintes?
– Sim, eu acho que é uma coisa que é interessante aqui no Ceará é que nos últimos 30 anos houve continuidade das políticas públicas sociais básicas de educação e saúde. Mesmo com mudança e governo elas permaneceram na mesma linha e até foram aceleradas e melhoradas e isso é uma coisa importante.