Dono de duas medalhas olímpicas na prova de 800 metros, o corredor Joaquim Cruz afirma ter herdado o “DNA da persistência” da mãe. Lídia foi à luta quando subiu em um pau de arara no Piauí junto com os seis filhos e se mudou para Brasília. Anos depois, o caçula se tornaria um dos maiores atletas brasileiros de todos os tempos, campeão olímpico nos Jogos de Los Angeles-1984 e medalhista de prata em Seul-1988.
As desistências do meio-fundista nas mesmas edições olímpicas em que ele se consagrou são menos lembradas. Em 1984, exausto e doente após o ouro, abriu mão de disputar a semifinal dos 1.500 metros.
Quatro anos depois, o abandono na mesma etapa da mesma prova teve origem em uma entrevista polêmica. Ao ser questionado sobre o caso de doping do velocista canadense Ben Johnson em Seul, Joaquim Cruz não mediu palavras. Disse que outros atletas também competiram dopados e mirou especialmente a norte-americana Florence Griffith-Joyner, questionando a feminilidade dela.
A repercussão foi tremenda. “Eu perdi a minha energia. A situação toda me causou vergonha e desconcentração. Eu lembro que fui fazer o aquecimento e não consegui me encontrar. Aí falei: ‘Eu não vou encarar esse desafio’”, relembra Cruz, atualmente treinador de atletas paralímpicos nos Estados Unidos.
Ele conta que foi arrebatado por uma sensação desconhecida —e que não soube como sair dela. “O atleta é super-homem e frágil na mesma intensidade. É por isso que eu preferia ficar quieto e me isolar antes das competições, porque eu sabia que era frágil também.”
Cruz reconhece que teve que “amarelar” em algumas situações para crescer como atleta e pessoa. E que o ato de desistir dos 1.500 metros nas duas Olimpíadas foi importante nesse processo.
Ao recordar como a preocupação com a saúde mental passava ao largo do esporte à época, o brasileiro cita o caso do português Fernando Mamede. Também em 1984, o então recordista mundial dos 10 mil metros era tratado como esperança de medalha para o país, mas já carregava a pecha de falhar sob pressão. Na final em Los Angeles, Mamede abandonou a disputa na metade, sem explicações, e desapareceu por 36 horas.
Em 2019, ele falou para o jornal Público, de Portugal, sobre como o favoritismo o afetava: “Era o medo de ganhar, de as coisas correrem mal, vários medos”. Mamede lamentou que na época quem procurava ajuda psicológica era diminuído pelos colegas.
As discussões sobre o tema ganharam um antes e um depois com as Olimpíadas de Tóquio. Principal nome do evento, realizado em 2021, a ginasta Simone Biles pegou o mundo de surpresa ao abrir mão de disputar a maioria das provas em que era favorita. O motivo para a desistência: preservar-se em um momento de turbulência emocional.