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“A educação no Brasil não pode mais perder tempo”, afirma Priscila Cruz

Em Porto Alegre nesta semana a convite de Jayme Sirotsky, do Instituto Jama, a presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, vem se tornando uma porta-voz da sociedade civil organizada na área da educação nos últimos anos. Entre as pautas que a paulista de 49 anos defende, estão uma priorização da primeira infância nas políticas públicas, a manutenção – ainda que com mudanças – do Novo Ensino Médio e a ampliação do ensino em tempo integral, como forma de qualificar a educação oferecida e evitar a evasão escolar. Em entrevista exclusiva a GZH, Priscila traz informações inéditas sobre estudos realizados pela entidade e o relatório, feito por grupo de trabalho coordenado por ela, que embasará uma política nacional integrada para a primeira infância. 

O projeto Todos Pela Educação viajou pelo Brasil para conhecer a realidade diversa da educação e iniciativas que trouxeram bons resultados. O que vocês encontraram?

Passamos algumas décadas com políticas nacionais para a educação ainda em fase de formulação, com implementações ainda superficiais, sem uma visão sistêmica das políticas que precisam se unir para que consigamos ter resultados. Passamos por essa fase desde 1988, pós-Constituição Federal. Depois, essas políticas começaram a se avolumar e se integrar melhor e, aí sim, começamos a ter algumas ilhas de excelência aqui no Brasil, porque, antes disso, tínhamos uma visão muito para fora do país para entender o que dá certo e o que não dá. Por muito tempo, as referências eram Coreia do Sul, Finlândia, Canadá. É natural e até bom que olhemos para fora, porque podemos tirar desses lugares alguma luz e trazê-la para o Brasil. Ao longo dos últimos 15, 20 anos, algumas cidades e Estados se destacaram muito na educação por justamente fazer uma gestão com continuidade e uma boa alocação de recursos. Nem todas têm recursos superiores à média do Brasil: o investimento por aluno varia bastante entre Estados e entre municípios. Mas, claramente, temos alguns entes subnacionais que se destacaram muito, e aí fomos entender o que eles fizeram, para constituir um documento que fosse não um guia, mas uma primeira orientação para as gestões estaduais e municipais do Brasil, para que não percamos mais tempo. A educação no Brasil não pode mais perder tempo.

Quando falamos de Estados, muito claramente se destacam o Ceará, na alfabetização, e Pernambuco, no Ensino Médio. Pernambuco conseguiu um avanço muito grande em termos de aprendizado, pela estratégia que eles adotaram lá atrás de investir mais na expansão do tempo integral. O Ensino Médio de Pernambuco ocupava o 24º lugar do Brasil, foi para quarto, depois, para o terceiro. Obviamente esse sucesso não se deve só ao tempo integral: tem uma boa gestão ali atrelada, muito incentivo para os alunos estudarem inglês, o que lhes permitiu fazer intercâmbio. Isso fez com que muitos alunos dessem um gás a mais, porque estímulo é importante. O Espírito Santo tem uma lição para dar ao Brasil em relação à gestão da Secretaria de Estado, tanto no saneamento das contas como na disponibilização de mais recursos, com um sistema de gestão na secretaria que envolve todos os aspectos e políticas para poder ter resultado.

O Instituto Unibanco, que iniciou uma consultoria em gestão junto à Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul no ano passado, também fez uma parceria nessa área no Espírito Santo, não?

Sim, eles têm parcerias com várias organizações e sabem usar essas parcerias, porque também tem isso: há muitas instituições no terceiro setor e é preciso saber usar o que tem de melhor, ou o que usar. Em alguns Estados, a gestão parece uma árvore de Natal de projetos do terceiro setor, e não pode ser assim, é preciso haver um plano do Estado.

Entre os municípios, há algum com iniciativas de destaque?

Para além de Sobral (no Ceará), a melhor capital do Brasil em educação é Teresina (no Piauí), que tem, inclusive, um investimento por aluno bem abaixo daqui de Porto Alegre, e é o melhor resultado educacional do Brasil. Por quê? Porque Teresina faz uma formação de professores absolutamente pautada na aprendizagem dos alunos. Pode parecer óbvio formar professores para melhorar a aprendizagem, certo? Mas não é o que acontece no Brasil. Teresina faz avaliações, identifica onde estão as dificuldades dos alunos e faz a formação dos professores para que eles deem melhores aulas naqueles componentes curriculares em que os alunos estão com mais dificuldade. Quando olhamos para a primeira infância, creche, pré-escola, Londrina (no Paraná) é um bom exemplo bem como Jundiaí (em São Paulo) e o próprio município de São Paulo, que, por incrível que pareça, apesar do tamanho, tem uma boa política de primeira infância. Quando olhamos para os resultados dos que avançaram, especialmente aqueles que têm uma condição socioeconômica mais desvantajosa, temos a obrigação de estudar o que eles fizeram para poder disseminar as boas práticas.

Apesar de Estados como o Ceará e Pernambuco terem exemplos bem-sucedidos na educação, nem sempre os índices são acompanhados de uma redução na criminalidade. Há exemplos de locais que conseguiram aliar bons resultados na educação a essa redução?

A educação explica muita coisa, como uma empregabilidade melhor, por exemplo. No entanto, não é uma varinha de condão que você sacode e pronto. Se fosse, o Ceará seria um Estado com índices melhores em outras áreas. São necessárias outras políticas atreladas. Mas, quando se fala em educação, a redução da criminalidade está atrelada a três componentes. O primeiro é a atenção à primeira infância. Uma parte da criminalidade tem muito a ver com as condições em que aquela criança viveu de zero a três anos, se ela viveu num lar com um ambiente tóxico, de violência, se não se alimentou direito, se sofreu privações no período mais essencial da sua formação cognitiva, social, emocional e física. Lá na frente, essa criança fica muito mais vulnerável às situações de violência. Por isso, uma política forte para a primeira infância é fundamental. A segunda política com alta correlação com redução de criminalidade, porque tem a ver com empregos melhores, é a educação profissional. Ter um Ensino Médio com a educação profissional integrada é muito importante. E o terceiro ponto é a educação integral. É meio óbvio, né, porque o aluno fica fora das ruas, mas não é só por isso: com educação integral, você consegue ter tempo para desenvolver outras competências e habilidades que fazem com que o jovem fique menos vulnerável à entrada nesse mundo da criminalidade, da violência.

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