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Cidade do interior de SP que abrigou hippies em festival de música completa 99 anos; relembre o ‘Woodstock brasileiro’

Subversão à ordem

Repleto de experiências libertárias, artísticas e comportamentais, o festival logo virou alvo das autoridades da época. Para realizá-lo, Leivinha teve que pedir autorização ao delegado Silvio Pereira Machado, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), e assinou um termo onde se comprometia a não atentar contra a “moral e os bons costumes”.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, além de mandar policiais militares para acompanhar o festival, elaborou um “Relatório Festival Hippie Águas Claras” ao final do evento, onde apontava os excessos e as transgressões dos participantes.

Organizadores precisaram de autorização do DOPS para realizar festival em Iacanga — Foto: Irmo Celso/Acervo Pessoal

Organizadores precisaram de autorização do DOPS para realizar festival em Iacanga — Foto: Irmo Celso/Acervo Pessoal

“Transcorrer do festival, transformando o local em verdadeiro tapete humano, com eventuais levantamentos de pessoas excitadas em danças rituais”, dizia parte do documento.

Iacanga, a 375 quilômetros da capital paulista, completa 99 anos nesta segunda-feira (15) e já foi palco do Festival Águas Claras, um dos principais eventos da música brasileira, conhecido por muitos como “Woodstock brasileiro”.

O evento, que contou com quatro edições, teve sua primeira versão em 1975, em meio à ditadura militar no Brasil. Com fortes tendências ao rock e à contracultura, o festival nasceu por acaso e organicamente.

Tudo começou quando Antonio Checchin Junior, o Leivinha, decidiu encenar ao ar livre uma peça teatral que havia escrito. O local escolhido foi a Fazenda Santa Virgínia, propriedade da família, em Iacanga, cidade que hoje tem cerca de 11 mil habitantes.

Divulgação ‘boca a boca’ e com cartazes

À época, com 22 anos, a ideia de Leivinha era reunir amigos, funcionários do local e familiares em torno da peça, realizando um evento cultural, além de um churrasco comunitário.

No entanto, o desejo do jovem foi se transformando a partir do momento em que bandas e artistas undergrounds, com características fora dos padrões comerciais e dos modismos, entraram em contato pedindo a oportunidade de participar da “cena” cultural que se formaria na pequena cidade do interior de SP.

Na base do “boca a boca”, a ideia foi crescendo e o que era para ser um churrasco com amigos e familiares virou um evento de rock, nos moldes dos festivais internacionais.

“Era um grupo de moleques fazendo o festival. Eu, o mais velho, 22 anos. O resto era tudo garotada, com 18, 17, 16… 14 anos. Tinha banda que nunca tinha tocado em palco, mas para a realidade do momento, aquilo lá era, de longe, a maior coisa que estava acontecendo”, revelou Leivinha no documentário “O Barato de Iacanga”, dirigido por Thiago Mattar, de 2019.

Desejo de liberdade

Além de ser concebido em uma propriedade rural, as semelhanças do Festival Águas Claras com Woodstock, festival realizado no final dos anos de 1960 nos Estados Unidos, estão na conexão dos jovens da época aos ideais do movimento hippie e ao rock’n’roll.

“A gente vivia uma época de anseio por liberdade, por espaço. Eu e uns amigos fomos sem saber de fato o que ia acontecer, encontramos lá música e pessoas que sentiam o mesmo que nós”, revela ao g1 um homem, hoje com 68 anos, que participou da primeira edição do festival e não quis se identificar.

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