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Estamos mais doentes ou mais preocupados com a saúde?

Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado ciclos de grandes crises sanitárias, capazes de ameaçar a saúde pública e impactar a vida de todos. A mais emblemática dessas emergências era reconhecida há quatro anos, quando o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, declarou que a organização havia elevado o estado da contaminação à pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, que trouxe desafios sem precedentes a todo o planeta. 

Agora, superada a pandemia, o Brasil enfrenta outro desafio: o maior surto de dengue desde o início das medições de casos da doença, iniciada no ano 2000. Esse aumento, indicam infectologistas, pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo as mudanças climáticas e a urbanização acelerada, que criam ambientes propícios para o vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti.

E, além das doenças virais, há indicadores que apontam também para um aumento real das doenças crônicas, caso de pesquisas que mostram um crescimento na prevalência de diabetes e hipertensão arterial nos últimos anos.

Todo esse contexto, associado ao advento da internet e das redes sociais, onde informações sobre saúde circulam com velocidade e alcance inéditos, tem um efeito duplo: por um lado, há o aumento da conscientização sobre formas de prevenção e tratamento de doenças; por outro, essa avalanche informacional pode levar a uma preocupação exacerbada e promover um exacerbado e disfuncional medo de adoecer.

“Muitas pessoas, mesmo as saudáveis, sentem um medo crescente de adoecer devido a essa disseminação acelerada de notícias”, avalia o psiquiatra Bruno Brandão, alertando que essa apreensão pode ser tão intensa que pode levar ao desenvolvimento de transtornos psicológicos, como o transtorno de ansiedade de doença, onde a preocupação em adquirir uma enfermidade é constante, mesmo sem sintomas físicos. Outro transtorno comum neste cenário, complementa, é o de sintomas somáticos, caracterizado por uma preocupação desproporcional com sintomas físicos reais, como dor de cabeça ou febre, que pode não indicar uma doença grave.

Brandão detalha que estudos indicam que a prevalência desses comportamentos disfuncionais é mais alta entre estudantes de medicina, especialmente nos primeiros anos de estudo.

“Isso sugere uma ligação direta entre a quantidade de informação disponível e a sensação de vulnerabilidade à doença”, avalia, indicando que, atualmente, com a ampla disseminação de informações sobre saúde nas redes sociais e mídias digitais, essa sensação de vulnerabilidade também tende a aumentar, seja pela crença de que já estamos doentes ou pelo medo de adoecer no futuro. Ele observa, ainda, que pessoas com vulnerabilidade psicológica pré-existente ou alta sensibilidade corporal são particularmente impactadas por esses problemas.

Pós-Covid, Brasil passou a se sentir mais doente

Os apontamentos do psiquiatra Bruno Brandão se confirmam à luz de análises de dados extraídos do relatório Covitel 2023, que revelou uma queda na percepção positiva da saúde pelos brasileiros, de 75,6% antes da pandemia para 62,8% no ano passado – um fenômeno que pode refletir tanto um aumento nas condições de saúde adversas quanto um impacto psicológico causado pela pandemia e pela enxurrada de informações relacionadas à saúde.

Apesar disso, nos consultórios de psicologia e psiquiatria, essa sensação de um mundo mais vulnerável ao adoecimento pode aparecer com menos ênfase, uma vez pacientes com transtorno de ansiedade de doença ou transtorno de sintomas somáticos geralmente buscam primeiro os serviços de clínica médica e costumam ser reticentes em reconhecer que precisam de ajuda para tratar uma questão mental. 

“Quando são encaminhados  para tratamento psicológico ou psiquiátrico, muitos resistem à ideia, pois acreditam firmemente que seus problemas são físicos. É comum que esses pacientes só cheguem aos consultórios de psicologia ou psiquiatria após terem sido orientados por vários médicos ou quando precisam tratar outras queixas, como depressão ou ansiedade. Mesmo assim, eles tendem a ser céticos e desconfiados em relação ao diagnóstico de transtornos mentais”, informa.

Problema está no excesso

Ponderando que a preocupação com a saúde é, evidentemente, benéfica quando nos motiva a adotar hábitos saudáveis, como exercícios físicos, alimentação equilibrada, higiene do sono, e evitar substâncias nocivas, Bruno Brandão adverte que ela vai se tornar prejudicial quando se torna improdutiva e obsessiva.

“Uma preocupação excessiva, que leva a uma busca incessante por diagnósticos sem fundamentos reais, pode paralisar a vida de uma pessoa, afetando seu trabalho e relações sociais. Esse comportamento pode ser um indicativo de transtornos psicológicos e, ironicamente, pode resultar em problemas de saúde reais”, assinala.

Diante disso, o psiquiatra reforça que identificar esses transtornos é crucial, especialmente quando o paciente persiste no sofrimento mesmo após avaliações médicas que descartam condições clínicas.

“O tratamento envolve psicoterapia para ajudar o paciente a lidar com a incerteza e a improdutividade de suas preocupações. Em alguns casos, dependendo do nível de ansiedade, pode ser necessário o uso de medicamentos”, situa, lembrando que o objetivo, nestes casos, é ensinar o paciente a gerenciar suas preocupações de forma saudável, permitindo que retome o controle de sua vida.

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