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Fugir correndo ao ver a polícia justifica revista pessoal, redefine STJ

Fugir correndo repentinamente ao avistar policiais é motivo justo para autorizar a revista pessoal em via pública. A prova desse motivo, por ser amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio.

Divulgação

Abordagem pessoal na rua é válida se o suspeito correu da polícia

Essa foi a conclusão unânime da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem em Habeas Corpus de um homem condenado por tráfico de drogas porque foi pego com entorpecentes após fugir para um terreno baldio ao notar a presença de policiais em patrulhamento.

O resultado representa uma leve correção de rumo em relação à jurisprudência sobre o tema. A ideia continua a de evitar que policiais tenham salvo-condutos para que façam abordagens exploratórias e aleatórias.

A exigência mais firme de fundadas razões para a busca pessoal foi afirmada pela 6ª Turma em 2022 e corroborada pela 5ª Turma. Ao aplicar o precedente, o tribunal passou a anular ações decorrentes de denúncia anônima, intuição policial ou mesmo em abordagens “de rotina”.

Aos poucos, no entanto, foi-se percebendo a necessidade de flexibilizar esse entendimento para não limitar a atuação policial, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico. A 5ª Turma liderou esse movimento, que também encontrou eco na 6ª Turma.

O resultado do julgamento na 3ª Seção indica que uma coesão foi alcançada. Fugir ao ver a viatura justifica a abordagem, mas essa motivação será analisada com cuidado para evitar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos.

“Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase que inquestionável a depoimentos prestados por policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti.

“Se a defesa alega que o réu não fugiu, que andava normalmente ou que fugiu para escapar de uma abordagem violenta, o ônus da prova transfere-se para o Ministério Público. Ainda mais pelo fato de que, hoje em dia, temos meios e tecnologia para fazer o acompanhamento dessas ações”, concordou o ministro Sebastião Reis Júnior.

Lucas Pricken/STJ

Voto do ministro Schietti propôs especial escrutínio nesses casos

Intuição possível

Para o ministro Rogerio Schietti, é possível que os policiais, em virtude da experiência prática adquirida durante anos no trabalho nas ruas, possam ter uma certa “intuição” sobre algumas situações.

Ainda assim, não é possível que o policial adote medidas restritivas de direitos fundamentais com base somente na sua intuição ou impressão subjetiva.

Nesse sentido, a fuga correndo se difere de outras situações mais sutis, como um simples desvio de olhar, o ato de levantar-se ou de andar em outra direção e outros comportamentos que podem ser explicados por uma infinidade de razões.

“A fuga, porém, se distingue por representar atitude intensa, nítida e ostensiva, dificilmente confundível com uma mera reação corporal natural”, apontou Schietti.

Por isso a necessidade de um especial escrutínio, já que há a possibilidade de que se criem discursos ou narrativas dos fatos para legitimar a diligência policial.

“Não é possível argumentar que uma busca (fato anterior) é válida porque o réu foi preso (fato posterior) e, ao mesmo tempo, dizer que a prisão (fato posterior) é válida porque a busca (fato anterior) encontrou drogas”, apontou.

“Se havia fundada suspeita de posse de corpo de delito, a ação policial é legal, mesmo que o indivíduo seja inocente; se não havia, a ação é ilegal, ainda que o indivíduo seja culpado”, complementou.

E a invasão domiciliar?

Em seu voto, o ministro Rogerio Schietti faz uma diferenciação da situação em que a fuga do suspeito gera invasão do domicílio dele por policiais e quando gera “apenas” a abordagem pessoal. Ela é importante porque a mesma lógica vinha sendo usada em ambas as situações.

A invasão da casa de alguém sem autorização judicial é possível, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, mas o STJ tem tratado com bastante rigor a definição de em quais situações é justificada e válida.

Para Schietti, fugir ao ver a guarnição policial não justifica a invasão de domicílio. Esse ponto ainda não é pacífico. O ministro Messod Azulay, por exemplo, acompanhou o relator com ressalvas ao apontar que, para ele, essa situação justificaria a ação dos agentes públicos.

“É uma situação para ser resolvida caso a caso. Uma deliberação dessa natureza [proibir o ingresso domiciliar nos casos em que há fuga] pela 3ª Seção engessaria de tal modo a jurisprudência que teria um efeito diverso da nossa tentativa de conter os Habeas Corpus.”

ConJur também mostrou recentemente como essa jurisprudência vem se transformando no STJ, baseado em posição do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, na 5ª Turma. A 3ª Seção tem encontro marcado com o tema.

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