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O dinheiro da educação em um Brasil com cada vez menos crianças

Entre 2003 e 2005, nasciam em média 3,36 milhões de crianças por ano no Brasil. Em 2022, foram 2,56 milhões, segundo a pesquisa Estatísticas do Registro Civil, do IBGE, divulgada nesta quarta-feira (27). São menos 740 mil bebês.

Essas crianças deveriam ter entrado em algum tipo de escola infantil neste ano de 2024. Nem todas, aliás. A nossa indiferença feroz deixa morrer um monte de crianças por motivos cruelmente estúpidos e evitáveis. Em 2022, morreram mais de 33 mil crianças de até 4 anos de idade.

Quase certamente, muitos daqueles bebês de 2022 não estão em algum tipo de instituição educativa. Em 2023, mais de 41% das crianças de 2 e 3 anos estavam fora da escola. Mais precisamente, a taxa de escolarização era de 58,5%, segundo a Pnad Educação, outra pesquisa do IBGE. Das crianças de 0 a 3 anos que estavam sem escola ou similar, como uma creche, quase 31% não encontraram vaga.

O país gasta mais com educação, mas crianças não têm creche ou educação infantil, em particular as mais pobres.

Sem educação infantil, não estarão bem preparadas para a alfabetização (entre outros muitos problemas sociais e econômicos causados por essa escassez). Se não forem bem alfabetizadas, terão em geral problemas na escola.

O país gasta mais com educação e envelhece muito rápido —tem relativamente menos crianças. Pela aritmética, haveria mais recursos per capita.

Deve haver mais ainda porque, por exemplo, desde 2021 aumenta a contribuição do governo federal para o Fundeb (a soma dos recursos para a educação básica), por determinação constitucional aprovada em 2020.

De 10% do fundo em 2020, a parte federal foi a 12% em 2021, chegará a 19% neste ano e a 23% em 2026. O aumento do PIB e da receita de impostos acima do crescimento da população aumenta também o dinheiro dedicado à educação.

Nesta semana, o governo federal propôs o plano “Juros por Educação”. Se os estados criarem mais vagas de ensino técnico, pagarão taxas de juros menores sobre sua dívida com a União.

Em termos gerais, não faz sentido. Os estados frequentemente conseguem perdões para a dívida, os mais falidos não arrumam as contas, dão dinheiro para empresas, anistias recorrentes incentivam o comportamento irresponsável. De resto, a receita financeira do governo federal diminuirá, quando se tenta justamente reduzir a dívida.

Na prática, porém, no limite o governo federal deixaria de receber R$ 8 bilhões por ano dos estados, o que não dá nem 0,1% do PIB. A dívida pública geral é de 75% do PIB.

Mas é esse tipo de conta que também nos leva a desperdiçar recursos ou escolher prioridades erradas.

Mais ensino técnico pode dar em boa coisa. Pode evitar que adolescentes abandonem o ensino médio, que muita vez não dá perspectiva de emprego melhor ou de faculdade boa (ou pagável); pode melhorar a qualificação escassa ou péssima da mão de obra. Etc.

Por que, no entanto, esse auxílio federal extra, o “Juros por Educação”, tem de ir para estados, aliás para alguns dos mais ricos, endividados e irresponsáveis?

Porque esta seria uma condição de redução de juros da dívida com a União, uma saída que o governo federal inventou para mais esse perdão de dívida não sair de graça ou ser gasto em besteira pura. E porque estados cuidam de ensino médio.

Mas é assim que se vai decidir a coisa toda? No grito de governadores espertos, para usar uma palavra amena?

É preciso gastar mais em educação, consideradas a escassez de recursos e outras prioridades? Leve-se em conta também que o aumento de gasto não tem resultado em educação melhor. Enfim, os estados vão cumprir essas metas de ensino técnico? Hum.

E o que fazer da falta de creches e das muitas que são meros abrigos de crianças?

O nível da nossa conversa pública é muito ruim.

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