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Como o combate às desigualdades raciais pode mudar a educação

Mudanças pelas quais tanto lutamos só serão viáveis a partir de uma profunda reflexão da sociedade, reconhecendo o racismo estrutural brasileiro e atuando por políticas públicas voltadas à equidadeO Nexo é um jornal independente sem publicidade financiado por assinaturas. A maior parte dos nossos conteúdos são exclusivos para assinantes. Aproveite para experimentar o jornal digital mais premiado do Brasil.Conheça nossos planos.Junte-se ao Nexo!

A transformação profunda que precisamos fazer na educação brasileira passa obrigatoriamente pelo combate às desigualdades raciais. Ao longo de gerações, pessoas negras, indígenas e quilombolas têm sido vítimas de violências sistêmicas, no mesmo compasso em que a nossa educação, de modo geral, ainda desconsidera os quatro séculos de escravidão e exclusão social enfrentados por esses grupos. Além de terem seus direitos fundamentais negados, suas realizações foram apagadas dos livros didáticos.

Não é surpreendente que os dados revelem um quadro alarmante. Um levantamento recente do Todos Pela Educação, com base em números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelou que o acesso de jovens negros ao ensino médio está mais de uma década atrasado em relação ao dos brancos. Ou seja, estudantes negros só alcançaram agora, indicadores que jovens brancos haviam alcançado em 2012. É uma diferença que deveria envergonhar toda a população e servir de chamado para a ação.

A busca por uma educação de qualidade para todas as pessoas e a equidade étnico-racial na educação básica são, portanto, questões intrinsecamente conectadas. As mudanças pelas quais tanto lutamos só serão viáveis a partir de uma profunda reflexão da sociedade, reconhecendo o racismo estrutural brasileiro e atuando para conceber, implementar e efetivar políticas públicas voltadas à equidade das relações étnico-raciais. Isso exige, num primeiro momento, compreensão e comprometimento das nossas lideranças políticas.

A educação para as relações étnico-raciais não pode ficar circunscrita à lógica de ‘mais um tema dentre vários outros’

Para discutir os desafios — e também os caminhos — que envolvem a equidade étnico-racial na educação básica, diferentes atores da sociedade civil e do poder público se reuniram em junho, em Brasília. Em diálogo, representantes do Ministério da Educação, de secretarias estaduais de Educação, além de 40 organizações sociais, educadores e especialistas.

A iniciativa foi organizada pelo Todos Pela Educação e pela Mahin Consultoria Antirracista, tendo como base o documento “Equidade Étnico-Racial na Educação (ERER)”, com recomendações detalhadas de políticas de equidade étnico-racial para os governos na esfera federal e estadual. O material — apresentado ao Ministério da Educação no começo do ano e também entregue em mãos à ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, em abril — é resultado da incorporação e do aprendizado de décadas de reivindicações, diagnósticos e sugestões trazidos pelos movimentos sociais.

Fundamental dizer que a construção do documento foi protagonizada por pessoas negras, indígenas e quilombolas, todas elas reconhecidas nas páginas do material. O conteúdo aborda introduções históricas sobre o racismo, reúne dados sobre desigualdades étnico-raciais e, principalmente, traz sugestões de políticas públicas para reduzir essas desigualdades, organizadas em cinco eixos: (i) fortalecimento de pesquisas, monitoramento e avaliação de políticas de promoção da equidade étnico-racial; (ii) formação continuada na temática para todos os profissionais da educação; (iii) construção de um sistema de apoio e suporte às escolas; (iv) revisão dos Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) e demais materiais pedagógicos para a inclusão transversal, interdisciplinar e sistêmica da Educação das Relações Étnico-Raciais; (v) fortalecimento técnico, institucional e orçamentário das frentes de políticas de promoção da equidade étnico-racial. São recomendações transversais e robustas para que gestões fortaleçam a pauta de maneira sistêmica.

Ainda temos muito a avançar, mas encontramos motivos para acreditar que existe um movimento renovado em direção a uma educação verdadeiramente inclusiva, na qual todas as vozes e identidades serão valorizadas. É muito promissor e – parte importante do que sustenta essa nossa crença – o primeiro conjunto de medidas avançadas pela Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), vinculada ao Ministério da Educação e restabelecida em 2023, após ter sido literalmente fechada pelo governo anterior.

Por fim, cabe reforçar: se, de fato, queremos promover avanços significativos nessa agenda, a educação para as relações étnico-raciais não pode ficar circunscrita à lógica de “mais um tema dentre vários outros”. Isso porque trata-se, acima de tudo, de uma reflexão sobre qual tipo de país queremos, qual sociedade almejamos e o que estamos fazendo, no presente, para construir esse futuro. É, portanto, uma premissa. E como toda premissa, deve ser algo a orientar a totalidade de esforços que estruturam e incidem sobre a educação básica brasileira – do Ministério da Educação às salas de aulas em todo o país.

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